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O impacto da Lei do Motorista para o setor logístico

Caminhoneiro acionando o a alavanca do freio de mão de um caminhão
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Recentemente, o setor logístico se deparou com decisões judiciais alterando a Lei n.º 13.103/15, conhecida como a Lei do Motorista, com impactos diretos ao setor logístico, que agora terá que se preparar para lidar com três novos desafios: controle, custo e mão de obra. Isso porque a legislação estabelece diretrizes para o exercício dos motoristas, incluindo aspectos como jornada de trabalho, descanso e fracionamento de intervalo, as quais implicarão em mudanças no sistema de gestão de frotas do segmento rodoviário.


Instituições do setor já projetam um aumento de 10% a 15% no custo efetivo das transportadoras de longa distância. Já o transporte em curta distância poderá ser ainda mais impactado, com a projeção de crescimento de custos variando entre 25% e 30%.

Para as entregas de longa distância, a atualização da Lei traz três grandes impactos. O primeiro é o tempo de espera dos motoristas para realização da carga e descarga das mercadorias, o qual será contabilizado dentro da jornada de trabalho, mesmo sendo um tempo improdutivo. Nesse caso, a demora neste tempo de espera poderá resultar em horas extras a serem pagas ao motorista, trazendo maior custo para toda a cadeia logística e para o produto transportado.

O segundo é a não contabilização do repouso quando o veículo estiver em movimento, isto é, mesmo quando houver revezamento entre dois motoristas, o tempo de repouso durante o transporte não será considerado período de descanso. Nesse caso, as empresas de transporte de passageiros serão as mais impactadas, já que em longas viagens costuma haver o revezamento de motorista e agora essas empresas terão que se reorganizar para operar com trocas de motoristas ao longo do percurso.


E o terceiro ponto é a maior rigidez no intervalo de 11 horas entre a jornada, que não poderá ser fracionado ou coincidir com paradas obrigatórias na condução do veículo. Essa alteração também impacta na forma como as empresas estão organizadas, uma vez que garantir as 11 horas não é uma tarefa tão simples, principalmente em trechos de longa distância, cujo planejamento envolve não só o tempo de descanso e viagem do motorista, mas também o gerenciamento de riscos da carga de acordo com seu tipo.

O transporte de cargas fracionadas também terá que se adaptar a estas mudanças. Uma das adaptações está relacionada ao tempo de trânsito, que poderá ser afetado pela jornada, já que com as alterações da Lei, o motorista deverá usufruir de um descanso semanal de 35 horas a cada seis dias de trabalho. A segunda adequação é referente à mão de obra e à necessidade efetiva de ter que contratar mais profissionais para executar a mesma função, a fim de manter a capacidade de operação.

No entanto, recentemente a Consultoria em Logística e Supply Chain - Ilos divulgou informações que demonstram o envelhecimento dos motoristas brasileiros ao mesmo tempo que menos jovens ingressam na atividade, resultando em uma diminuição da quantidade total de motoristas nos últimos 10 aos. De acordo com dados da pesquisa, atualmente 58,3% dos motoristas contam com idade superior a 50 anos, enquanto apenas 4% têm entre 18 e 30 anos. Além disso, o volume de motoristas habilitados teve uma queda de 5,5 milhões em 2014 para 4,4 milhões em 2023, o que pode interferir negativamente no volume de mão de obra futura.


Tendo em vista este cenário, os pontos de coleta e, em especial, os de entrega serão os mais impactados. Isso porque a indústria, que é quem geralmente contrata os serviços de transporte, tem um grande interesse em ajustar sua logística para o aumento da produtividade sem gerar maiores custos. Entretanto, as empresas do setor varejista, que são as que recebem estes produtos, priorizam, habitualmente, a descarga dos itens mais estratégicos em detrimento de outros, sem respeitar os horários programados de entrega, deixando, com o transportador e seu contratante, os custos adicionais desta demora.

Independente da mudança de legislação, essa situação de espera é uma ineficiência que existe no processo logístico e deveria ser tratada de perto. Agora, a própria Lei obrigará que, tanto as transportadoras quanto as indústrias, busquem uma maior produtividade neste processo, para não gerar custos maiores relativos às entregas. No médio prazo, a tendência é que esse panorama gere um efeito de cobrança em toda a cadeia produtiva a fim de não diminuir a sua capacidade em nenhuma etapa.

Neste momento, o cenário é de conscientização e de sensibilização das indústrias, a fim de que o mercado absorva a necessidade de mudanças nos processos para que não incorra em mais custos, os quais poderão ser repassados por toda a cadeia, até chegar ao bolso do consumidor.


Superando os desafios
Todas essas variáveis, cada vez mais, obrigam o setor rodoviário de carga a dispor de mais tecnologia. As grandes companhias já vêm trabalhando nisso, mas o Brasil ainda tem muitas empresas de transporte rodoviário que não tem uma boa estrutura.
 
Porém, com a mudança de legislação, a necessidade de eficiência no planejamento será cada vez maior. Nesse sentido, sistemas para aprimorar a gestão da jornada de trabalho dos motoristas ou veículos com telemetria para melhor acompanhamento do trajeto serão essenciais na busca por um alto rendimento.

Impulsionada pela informatização do setor, a tendência é que a fiscalização também aumente, já que à medida que existem sistemas eletrônicos de controle, a execução da fiscalização também pode ser realizada de maneira remota - o que será bastante positivo para o setor, pois faz com que todas as empresas estejam de acordo com as normas vigentes, criando um ambiente em que todos competem de maneira justa. Desta forma, o avanço da tecnologia contribui não só para as entidades de fiscalização governamentais, como também apoia a evolução do mercado.


Outra saída para superar esses novos desafios é a aposta na multimodalidade, que poderá ser mais demandada, com o objetivo de suprir o possível aumento de custos do modal rodoviário, gerando mais competitividade para o setor, o qual já vem crescendo significativamente no país. Essa aposta ainda vai a favor das empresas que efetivamente estão trabalhando com uma agenda ESG, buscando melhorar a sua cadeia logística com uma visão não só de custo, mas também de sustentabilidade e de governança.

Frente a essas novas alterações na Lei do Motorista, portanto, a dinâmica operacional do setor logístico será transformada de agora em diante. Contudo, as mudanças não apenas apontam desafios, mas também oportunidades. A necessidade de eficiência no planejamento, a adoção de tecnologias e a aposta na multimodalidade emergem como estratégias positivas para mitigar os aumentos de custos no modal rodoviário, impulsionando a competitividade do mercado.


ARTIGO: Maurício Alvarenga, Diretor Executivo da Tecmar Transportes, empresa integrante do grupo Log-In Logística Intermodal, e que oferece soluções voltadas ao transporte de carga rodoviária

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