Facchini

Ilhados em 2014, caminhoneiros já falam em última viagem ao AC pela BR

Motoristas de caminhões vindos de vários lugares do país dizem que não vão arriscar a travessia de trechos alagados da BR-364 para vir ao Acre como fizeram na alagação do ano passado. De acordo com o caminhoneiro Everaldo Pajares, paulista de 50 anos, que transporta material de construção de São Paulo (SP) para o estado acreano há 30 anos, o nível do Rio Madeira está mais elevado do que na mesma época do ano passado. "A gente só fica no prejuízo, por isso não tem condições de voltar, essa é minha última viagem nesse período para cá", diz.
De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (CPRB) nesta sexta-feira (23), o nível do Rio Madeira registrava a marca de 14,98 metros, enquanto no mesmo dia do passado o nível estava em 15,18 metros.  Ao G1, o inspetor João Ribeiro, da Polícia Rodoviária Federal, em Rondônia, informou que na última medição feita na quarta-feira (21), no km 871, na região do Mutum, primeiro ponto que alagou no ano passado, faltavam apenas 78 centímetros para que a água atingisse a BR.
As lembranças das dificuldades enfrentadas no ano passado ainda estão vivas na memória de Pajares. O caminhoneiro conta que para não ficar sem trabalhar, passou três vezes pela BR-364 alagada no ano passado, e só não passou a quarta, porque a estrada já estava fechada. "Fiquei ilhado por mais de 15 dias em um dos pontos mais críticos da estrada, e nesse local tinham dezenas de motoristas parados. Pela minha experiência, principalmente em relação ao ano passado, e vendo como está o nível do rio esse ano, em poucos dias a estrada vai estar tomada pelas águas", afirma.

Pajares diz que no ano passado, ele e os colegas de profissão passavam pela estrada com a 'cara e a coragem', já que nas primeiras vezes que atravessaram com a pista alagada, não havia sinalização. "De tanto a gente pedir, o governo do Acre, mandou bombeiros para sinalizar a estrada, mas de resto, todo mundo virou as costas para nós. Esse também é um dos motivos para que eu não volte esse ano no alagamento", desabafa.
Segundo o caminhoneiro, a estrada ainda não tem nenhuma sinalização, mas os trechos que ficaram danificados com o alagamento de 2014 foram recuperados. Ele acrescenta ainda que mesmo o nível do Madeira estando alto e bem perto da BR-364, ainda não está tendo engarrafamento. "O caminhão é meu, a manutenção é muito cara, então, enquanto tiver nessa situação não vou mais vir pro Acre, devo fazer outro estado até tudo se normalizar", disse.
Pajares acredita que os governantes estão escondendo o real motivo da alagação do Rio Madeira. "Faz 30 anos que faço transporte para o Acre, e nunca vi uma alagação como a de 2014. Por que no primeiro ano da usina alagou e agora no segundo também? Qualquer pessoa sabe que isso começou depois das usinas, até porque o rio não voltou ao nível normal desde então", diz o motorista.
O motorista Romildo Pereira, de 36 anos, trabalha como caminhoneiro há dois anos transportando frios do Paraná (PR) para o município de Brasiléia, distante 220 km de Rio Branco. Ele foi um dos motoristas que arriscou a vida na travessia da BR-364 na alagação de 2014. Pereira disse que ficou parado na estrada por três dias próximo a balsa, por conta do alagamento, pois não tinha para onde seguir.
"Como transporto frios, o motor do caminhão ficou ligado direto e o produto não chegou a estragar, mas muita gente lá teve prejuízo com a carga. Mesmo com minha pouca experiência, em comparação com o ano passado, o nível do rio está bem acima e pelo que ouvi falar na balsa, a preocupação é que a chuva mal começou e a BR já está naquela situação. Há 20 dias eu estive no Acre e não estava assim, me assustei agora quando fui passar na balsa, o rio está lá em cima", conta. 
Pereira acrescenta que em época de chuva esse trecho é um dos que dá mais medo. Ele confessa que o que viveu na alagação do ano passado foi uma das situações mais difíceis nesses dois anos de estrada.
"Nem parecia que eu estava andando de caminhão, parecia mais um barco, era água para todos os lados. Se alagar novamente esse ano, não venho mais para o Acre, já fiquei assustado nessa última viagem. Enquanto tiver na época do inverno vou pedir para trocar o estado de entrega de produtos", afirma.
Caminhoneiro que viaja com a família teme ficar isolado com esposa e filha na estrada
Maurício Tavares, de 27 anos, trabalha como motorista há três anos. Ele transporta cebola de Santa Catarina (SC) para o Acre. Em 2014, conta que atravessou a BR-364 três vezes, quando estava tomada pelas águas do Madeira. "Em todas as vezes que passei, senti muito nervosismo e medo, a terceira vez foi a pior de todas, minha esposa viajava comigo e estava grávida, nós ainda não sabíamos, ela ficou muito abalada", diz.
O motorista fala que conversando com alguns amigos de profissão que também estavam vindo ao Acre nos últimos 15 dias, a maioria disse que não vão se arriscar a passar novamente pela BR-364 na alagação. Ele acrescenta que alguns desses caminhoneiros foram embora do Acre com os caminhões vazios, com receio de não conseguir passar.
"Sempre viajo com minha esposa e agora com nossa filha, de 5 meses, não quero correr o risco de ficar preso na estrada por conta da alagação. Então, vou preferir não vir ao Acre e arriscar passar novamente pela estrada naquelas condições com elas", conta.

Entenda o caso
Em 2014, o Rio Madeira registrou sua cheia história, atingindo a marca de 19,74 metros. Por isso, o Acre ficou isolado via terrestre, uma vez que a BR-364 é o único acesso para os outros estados do país. Em abril daquele ano, o governo acreano chegou a decretar calamidade pública. Na época, os acreanos enfrentaram o racionamento de diversos alimentos nas prateleiras, além de gás de cozinha e combustíveis, o que gerou grandes filas de veículos nos postos.
No dia 8 de janeiro deste ano, o governo do estado se reuniu com representantes do Ministério da Integração Nacional para debater a criação de um plano de contingência para uma possível nova enchente.
Na ocasião, o meteorologista do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), Luis Alves, disse que a expectativa é que não ocorra este ano uma cheia na mesma proporção da anterior. "Aguardamos uma nova cheia, mas não com a mesma magnitude do ano passado", falou.
FONTE: G1 
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