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Como vai a saúde dos caminhoneiros?

O cotidiano de um caminhoneiro não é nada fácil. São horas sentado dentro da cabine de um caminhão, rodando quilômetros até um destino que, por muitas vezes, fica do outro lado do país. Para conseguir trabalhar tantas horas, alguns desses profissionais recorrem ao uso de bebidas alcoólicas e substâncias ilícitas que prejudicam a saúde e colocam em risco suas próprias vidas e daqueles que estão trafegando nas rodovias.

Com o intuito de analisar esse cenário, foi desenvolvido o estudo “Fatores de risco para doenças cardiovasculares, saúde mental e comportamentos ao dirigir entre caminhoneiros que trafegam pelo município de Uberlândia/MG”, realizado pela professora Marcelle Aparecida de Barros Junqueira, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (Famed/UFU).

Junqueira trabalhou em conjunto com uma equipe de dez pesquisadores, dentre eles, a professora Valéria Nasser Figueiredo, do curso de Enfermagem (Famed/UFU), o professor Lúcio Borges de Araújo, do curso de Estatística da Faculdade de Matemática (Famat/UFU), uma residente multiprofissional, mestrandos e graduandos do curso de Enfermagem da UFU.

A pesquisa, que foi realizada com 235 caminhoneiros, buscou avaliar as condições de saúde física e mental de motoristas de transporte de cargas que trafegam pelas rodovias na região de Uberlândia/MG, além de identificar a relação com o uso de álcool, tabaco e outras drogas no ato de dirigir.

Início de partida
A pesquisa foi motivada pelo questionamento de uma das orientadas de Junqueira. A estudante comentou que tinha curiosidade em avaliar determinados aspectos relacionados às condições de saúde dos caminhoneiros. A docente topou o desafio, visto que Uberlândia é considerada “a capital nacional da logística”, por ter localização geográfica central, entrecortada por rodovias importantes como as BRs 050, 365 e 452. Assim, o estudo começou.

A primeira etapa foi montar estandes em postos de combustíveis em Uberlândia. Os caminhoneiros que concordavam em participar da pesquisa tinham suas medidas clínicas aferidas por meio de exames físicos que verificaram os sinais vitais, índice de massa corporal, relação cintura/quadril e índice tornozelo/quadril.

Em seguida, era preenchido um questionário relacionado à saúde, com perguntas sobre características sociodemográficas e profissionais, como: se o profissional era autônomo ou assalariado, a média de quilômetros rodados por semana, a quantidade de horas trabalhadas, se já foi assaltado ou se envolveu em acidentes. Outras questões eram específicas sobre sonolência, comportamento ao dirigir, níveis de ansiedade, estresse e depressão, uso de álcool e outras drogas.


O percurso
Todos os entrevistados eram do sexo masculino. Após a coleta dos dados, foi possível identificar que eles tinham idade entre 20 e 62 anos e que, em média, dirigiam como ocupação principal há 17 anos. Em relação à quilometragem rodada por semana, a pesquisa apontou três mil quilômetros, com média de 12 horas trabalhadas por dia. Outro dado mostrou que esses profissionais costumam ficam longe de casa em torno de 16 dias.

Os estados com maior procedência dos caminhoneiros entrevistados foram: Espírito Santo (21,7%), Minas Gerais (15,3%), Rio de Janeiro (9,4%), Sergipe (8,5%) e Rio Grande do Sul (6,4%). Quanto aos índices do perfil profissional, os assalariados são 53,6%, enquanto os autônomos somam 45,5%. Além disso, 70% relataram nunca ter se envolvido em acidentes e 68,1% disseram não ter sido assaltado.

A pesquisa também avaliou o uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas como maconha e cocaína. Foi possível observar que, quando comparada à porcentagem da amostra do estudo com dados nacionais, os caminhoneiros utilizam algumas substâncias na mesma quantidade ou até acima da consumida pela população do país.

Junqueira conta que os entrevistados demonstraram estar à vontade para responder as perguntas, mas quando questionados sobre o uso de álcool e drogas, ficaram um pouco mais tímidos. “Alguns deles diziam que não usavam e aí chegava um colega que falava: ‘conta a verdade, mentira sua’. Alguns estudos nacionais dizem que esses levantamentos sobre uso de drogas correspondem de 20% a 30% da realidade. Podemos pensar que esses dados são duas vezes maiores do que apareceram”.

No estudo, também foi possível associar o consumo dessas substâncias lícitas e ilícitas a alguns comportamentos desses profissionais no trânsito. “Por meio da análise estatística dá para associar questões como: ‘será que quem usa mais tabaco tende a mais erros no trânsito, comparado com quem usa menos?’ E a gente encontrou algumas associações importantes”, relata a professora.

1. Quanto mais quilômetros rodados, mais erros o caminhoneiro comete no trânsito;
2. Quanto maior o número de assaltos já sofridos, maiores são os erros, os lapsos e as violações;
3. O envolvimento em acidentes está relacionado às violações, ou seja, erros mais graves, como ultrapassagens perigosas;
4. O uso do tabaco está associado a erros, lapsos e violações, bem como maior quantidade de horas rodadas, maior envolvimento em acidentes, mais dias longe de casa e a ocorrência de assaltos;
5. O consumo de álcool está associado a erros, lapsos e violações, bem como maior quantidade de quilômetros rodados, maior envolvimento em acidentes, mais dias longe de casa e ser profissional autônomo;
6. O consumo de maconha está associado a lapsos, maior quantidade de quilômetros rodados e mais dias longe de casa;
7. O uso de anfetaminas está associado a erros, lapsos, violações e maior envolvimento em acidentes;
8. O consumo de cocaína está associado a erros.
A pesquisadora comenta que, apesar de o tabaco ser uma droga lícita, ele está relacionada às violações por conta de o caminhoneiro fazer uso da substância enquanto dirige. “Isso desvia a atenção e faz com que ele seja mais propenso a erros e violações no trânsito. Quando falamos do uso de substâncias por caminhoneiros, muitas vezes só pensamos nas anfetaminas e rebites, mas temos que pensar que o uso de drogas lícitas está mais fortemente associado aos erros e violações no trânsito”.

Outro dado importante é sobre o vínculo familiar. Os caminhoneiros que possuem uma densa carga de trabalho ficam mais dias longe de casa e tendem a consumir mais substâncias prejudiciais. “A presença da família na prevenção da saúde do caminhoneiro é fundamental. Percebe-se que essa perda do vínculo familiar só piora a questão do uso de substâncias”, afirma Junqueira.

Próximo destino
Por meio das informações já coletadas serão possíveis outros desdobramentos desta pesquisa. A professora conta que os próximos passos são analisar os níveis de ansiedade, estresse e depressão desses profissionais, bem como se essas condições estão associadas a algum tipo de substância ou comportamento ao dirigir.

“A equipe da professora Valéria está se debruçando sobre esses fatores de riscos cardiovasculares, mas já sabemos que serão muito ruins. Estamos fazendo essa análise e queremos comparar se, por exemplo, os indicadores de saúde ruins estão associados ao uso de substâncias ou à saúde mental desse caminhoneiro”, afirma a pesquisadora.

Sobre a forma de prevenção e de conscientização, Junqueira afirma que é necessária a atuação de médicos e enfermeiros nos locais onde os caminhoneiros estão. “O que a gente percebe é que eles [os caminhoneiros] têm disponibilidade e até a necessidade de atendimento profissional. Penso que os profissionais de saúde têm que estar onde eles [os caminhoneiros] estão, que é nos entrepostos. Lá seria um local para que eles recebam orientação e uma intervenção breve em relação aos riscos e usos dessas substâncias”.
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