Facchini


A força da Mulher

Até bem pouco tempo atrás, a profissão de caminhoneiro era exercida quase que exclusivamente pelos homens. Afinal, para aguentar longas viagens e passar dias na boleia longe de casa é coisa para o sexo masculino. Certo? Errado.
Cada vez mais, as mulheres estão provando que são igualmente capazes neste ofício e se destacam pelo profissionalismo, responsabilidade e, principalmente, pela atenção ao volante.
Para homenagear essas guerreiras, que, aos poucos, estão quebrando paradigmas e transformando esse universo, até então dominado pelo sexo masculino, no mês em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, ouvimos algumas caminhoneiras e ficamos por dentro de histórias que são verdadeiras lições de vida.
A maioria ingressa nessa área seguindo o exemplo do pai, irmão ou até mesmo do marido, que já exercem a profissão. Esse foi o caso de Jussara Silva, 50 anos, que está há seis na boleia. “Meu irmão é caminhoneiro há mais de 25 anos. Durante toda a vida, acompanhei a trajetória dele. O que mais me chamava a atenção era a liberdade de estar a cada dia em um lugar diferente. Hoje, eu posso me dedicar à profissão, já que sou divorciada e meus filhos estão crescidos”, conta.
Segundo ela, a maior dificuldade na estrada é a saudade de casa. “Para quem é mãe, é muito difícil ficar longe da família, mesmo sabendo que os filhos já sabem se cuidar sozinhos. Ligo sempre, dou conselhos. Aquela coisa de mãe mesmo”, acrescenta.
Para aliviar a saudade, ela dá preferência a viagens mais curtas. Atualmente, Jussara procura ficar no máximo dois dias fora de casa. Assim, pode estar mais perto dos filhos. 
Maria Lígia Barbosa, de 48 anos, há seis na labuta, também ingressou na profissão por incentivo do marido, que é caminhoneiro há dez anos. Ela conta que no início fez algumas viagens na boleia com o marido e passou a gostar dessa vida de viajante.
“Em determinado momento, o orçamento apertou. Precisava arrumar um emprego para ajudar em casa, e foi então que surgiu a ideia de me tornar caminhoneira. No início, meu marido não queria, porém, como eu insisti muito, ele acabou cedendo. Até hoje fica meio enciumado. Mas ele me ajuda muito, me faz recomendações e ensina os macetes da profissão”, revela Maria Lígia.
Há também aquelas que abraçaram o ofício por paixão pela direção. Celma de Oliveira, 40 anos, é uma dessas aficionadas pela estrada. Ela começou cedo. Ainda pequena fez várias viagens com o pai na boleia. Quando completou 21 anos decidiu seguir o exemplo. “Sou muito feliz na estrada. Sem dúvida, viajar é cansativo e perigoso, especialmente, com um número tão grande de assaltos a cargas, mas gosto muito do que faço”, conta.
Quanto à vontade de construir uma família, Celma explica que o sonho de ser mãe já passou. Hoje, ela acredita que nasceu mesmo para ficar com o pé na estrada. Celma é solteira e não tem filhos.
“Durante as viagens, fazemos muitas amizades. É como se fosse uma grande família. Obviamente, muitas vezes, nos sentimos solitários, mas sempre fui meio independente. Essa vida solitária também me completa”, garante.

Divisão de tarefas
Mas e a casa, quem cuida? Luziene Silva, 41 anos, que já está na labuta há 11 anos, diz que recebe ajuda do marido, Augusto. Ela começou na profissão por acaso, a convite de um amigo do casal. “Hoje, não me vejo em outra profissão. Até porque sempre fugi da rotina doméstica”, declara.
O marido também trabalha na mesma transportadora, mas em serviços administrativos. “Ele me ajuda com a casa. Até roupa ele lava. Temos um filho de 18, que também quer ser caminhoneiro”, acrescenta.
Assim como em qualquer área, há caminhoneiras casadas, com ou sem filhos, solteiras e divorciadas. Entretanto, em comum elas têm a paixão pela profissão. Suzana Camargo, 30 anos, é caminhoneira desde os 20. Casada, ela conheceu o marido durante uma viagem. “Estávamos parados em um posto e um amigo nos apresentou. Começamos a namorar e já estamos juntos há cinco anos”, revela Suzana.
Segundo ela, por algumas vezes, eles já conseguiram fazer viagens para os mesmos destinos. “Assim, passamos mais tempo juntos e podemos até namorar um pouco”, brinca.
Preconceito é menor
Quanto ao preconceito, a maioria das entrevistadas garante que o preconceito vem diminuindo cada vez mais. “A maior parte respeita nossa dedicação, reconhece nossa força e até nos ensina alguns truques”, lembra Suzana.
Mas há também aqueles que acreditam que mulher no volante é perigo constante. “Certa vez, um caminhoneiro quis competir comigo em uma estrada e acabou me dando uma fechada. Quase houve um acidente”, recorda-se Maria Lígia.
Na opinião de Celma, os homens já estão se acostumando com a presença feminina nas estradas. “Alguns ainda são machistas e acham que vão perder o lugar para uma mulher, mas com o tempo vão percebendo que essa diversidade é saudável, inclusive, para o crescimento e fortalecimento da profissão”, analisa.

Falta de segurança
Na verdade, apesar da invasão das mulheres nas estradas brasileiras, o setor ainda é representado basicamente pela classe masculina. É difícil ver mulheres à frente de entidades de classe ou mesmo transportadoras. Algumas já conseguiram conquistar seu espaço. Mas ainda há muito o que fazer para que a mulher seja considerada realmente apta para a profissão.
“Acontece que o predomínio do homem no mercado de transportes rodoviários de carga faz parte da cultura mundial. As mulheres são vistas como frágeis e alvos fáceis em casos de assaltos. Além disso, o fato de os caminhões serem veículos pesados remete à força, algo que os homens acreditam que só eles tenham. Mas não é uma questão de força física. É uma questão de garra e coragem para enfrentar muitas viagens longe de casa. E isso a mulher tem também condições de lidar”, explica Áurea Lima, 54 anos, há12 na estrada, que não abre mão da vida na boleia.
Para ela, a maior dificuldade da profissão é o medo dos assaltos. A caminhoneira conta que já passou por uma situação de perigo há dois anos, mas os ladrões não lhe fizeram mal. “A falta de segurança nas estradas brasileiras é uma realidade muito dura. O problema é que os números de roubos só aumentam, e nada é feito para reverter essa situação”, reclama. 
Para se ter ideia, o número de ocorrências de roubo de cargas em 2012 atingiu o patamar dos últimos quinze anos: foram 14,4 mil casos. O Estado de São Paulo registrou metade dos roubos, e o Rio de Janeiro ficou em segundo lugar, com um quarto das ocorrências. O prejuízo chegou a R$ 960 milhões, segundo dados da Associação Nacional dos Transportadores de Carga & Logística (NTC&Logística). Em comparação aos resultados de 2011, houve um aumento de 10,8% em relação ao número de casos e cerca de 4% no valor da carga roubada. 
“Precisamos de mais segurança para a categoria como um todo. Não podemos ficar à mercê dos bandidos. Afinal, a riqueza do Brasil passa sobre rodas. Algo deve ser feito urgentemente. Estamos em ano de eleições. É uma boa hora para refletirmos e elegermos os representantes que realmente estão dispostos a olhar para essa causa”, comenta Celma.

Vaidosas sempre
Apesar de a vida na estrada não ser nada fácil, obrigando as motoristas a atuarem com linha dura, a vaidade nunca é esquecida. Como todas as mulheres, um batom, um perfume e um acessório estão sempre à mão.
“Tenho sempre um kit de maquiagem e uma nécessaire no porta-luvas”, conta Luziene. Quanto às roupas, elas optam por modelos mais sérios, mas sem perder a feminilidade.
A maioria prefere jeans e camiseta, uma combinação que traz também conforto para dirigir. “Nossa maior preocupação com o vestuário é ter conforto na direção. Por isso, decotes, saias justas ou curtas demais ou mesmo roupas apertadas estão fora de questão. Ficar bonita é fundamental. Não para arrumar alguém, mas para ficarmos bem conosco mesmas”, explica Celma.
O fato é que a estrada é também um lugar para caminhoneiras, que cada vez mais demonstram garra, competência e determinação ao desbravar uma área até então predominantemente masculina. Na verdade, o mercado de transportes rodoviário já começa a se transformar e a se render aos encantos das motoristas, mas, principalmente, à força e à coragem da mulher caminhoneira.
FONTE: Na Boléia 
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