Com pouco mais de duas horas de atraso, o temido Viaduto Vila Rica, mais conhecido como Viaduto das Almas, foi aposentado, no início da noite de terça-feira, quase 54 anos depois de inaugurado, em 1º de fevereiro de 1957. O antigo elevado foi desativado assim que o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, liberou o trânsito no Viaduto Márcio Rocha Martins, construído a dois quilômetros da antiga e perigosa passagem, no km 592 da BR-040, em Itabirito, a 50 quilômetros de Belo Horizonte. A cerimônia foi simples e espera-se que tenha sepultado uma história de tragédias em Minas Gerais. A União Brasileira dos Caminhoneiros estima que pelo menos 200 vidas foram tragadas pelo Vila Rica.
“Tenho a satisfação de entregar o novo viaduto, reconhecido por todos os mineiros como uma obra importante”, destacou o ministro, que autorizou a liberação do trânsito sob uma chuva fina. Se houvesse chegado no horário marcado pelo próprio Ministério dos Transportes para desativar o Vila Rica, às 17h, se encantaria com um arco-íris que foi à 040 se despedir do macabro Viaduto das Almas. Apesar do atraso, a inauguração do Márcio Rocha Martins foi muito comemorada por quem dedicou os últimos anos à aposentadoria do velho pontilhão.
“Só quem presenciou os acidentes no Viaduto das Almas sabe o que estamos sentindo agora”, disse emocionado o presidente da União Brasileira dos Caminhoneiros, José Natan, de 60 anos, que soltou foguetes para dar as boas-vindas ao novo elevado. Ele tem 460 metros de extensão por 21 metros de largura, com duas pistas em cada sentido. Já o velho viaduto, que tem 9 metros de largura e 262 metros de comprimento. Foi erguido em curva, a 30 metros do solo. Os números não deixam dúvida do perigo para as quase 20 mil pessoas que o atravessavam diariamente.
Desde 12 de setembro, a pista para o Rio de Janeiro estava liberada para o trânsito, mas a abertura das faixas em direção a BH fecha o ciclo de desastres do antigo Vila Rica. Até janeiro, pequenas intervenções serão feitas no trecho, como a construção de bueiros, mas nada que signifique risco à vida. O motorista Dilson Lopes foi o primeiro a atravessar a nova pista. Recebido pelo ministro, ele agradeceu a obra, mas disse que era a primeira vez que estava naquele trecho da 040: “Nunca passei pelo Viaduto das Almas, pois sou baiano. De qualquer forma, agradeço pela segurança”.
Já o taxista Everaldo Batista da Silva, de 54, recorda que, por diversas vezes, sentiu um calafrio na espinha ao cruzá-lo. “Foi desativado tarde, mas antes agora do que nunca”, diz ele, que, há poucos anos, passava pelo Vila Rica pelo menos três vezes por semana. Ele é poucos meses mais velho do que o Viaduto das Almas, batizado com este nome em razão do córrego homônimo que corre sob a estrutura erguida em curva. Em 1974, cedendo à pressão popular, os militares, que governaram o país de 1964 a 1984, mudaram o nome para Vila Rica, em homenagem a Ouro Preto.
O novo batismo ocorreu depois de o local ter registrado pelo menos dois grandes acidentes. Em 1967, um ônibus da Cometa não conseguiu atravessá-lo: 14 pessoas perderam a vida. Uma das vítimas foi a atriz Zelinha, que apresentava o programa infantil Roda gigante, nas manhãs de domingo na extinta TV Itacolomi. Em 1969, outro ônibus-leito da mesma empresa caiu no abismo: 30 mortos. Nele estava o cantor Márcio Albertini, que fazia dupla com o irmão Claudinê, no programa Brasa-4, também da Itacolomi. Os dois voltavam do Rio de Janeiro, onde foram gravar algumas apresentações. Quatro anos antes de morrer, o músico havia escrito algumas frases em seu diário que deixaram os fãs perplexos, pois, segundo familiares, Márcio teria previsto a própria morte.
Seu texto dizia o seguinte: “A família de Márcio Albertini sente-se consternada ao comunicar seu falecimento ocorrido hoje e comunica a seus amigos que o féretro sairá de dentro de seu próprio corpo e (que) sua alma será levada para o além, esperando a possível chegada da felicidade que ele, aqui, conheceu e a perdeu de forma chocante”. Naquele mesmo ônibus, um bilhete chamou a atenção dos bombeiros que socorreram os feridos: “Inês, se você soubesse o quanto te amo. Sofro quando tu me desprezas. Ah! Inês, como te amo. Seu eterno Paulo César Novais Costa”. Na lista de vítimas havia uma passageira com o nome Maria Inês Dionísio, possível destinatária das palavras de amor.
Futuro
O governo federal ainda não sabe o que fará com o velho Vila Rica. Hoje, o engenheiro-supervisor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Alexandre Oliveira, encaminhará um ofício à União informando que o antigo viaduto está desativado. “Se depender de mim, poderia ser um ponto turístico.” Já a União Brasileira dos Caminhoneiros tem outra proposta: “Enviamos um pedido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o trecho seja destinado a treinamento de caminhoneiros”. A nova serventia do Vila Rica ainda não tem data para ser decidida.
FONTE: Estado de Minas