Facchini

Santos elimina filas, mas mantém atrasos

Estacionado em uma área para carretas no porto de Santos, o caminhoneiro Leandro da Silva esperava há 18 horas fora do intervalo previsto para descarregar soja no terminal da ADM. A descarga na multinacional de grãos estava agendada para o período das 12 horas às 18 horas do dia 30 de março. Contudo, às 12 horas do ensolarado dia 31, Silva ainda aguardava ser chamado para descarregar a soja que embarcara dias antes em Araguari (MG), a 700 quilômetros.
Desde que o programa federal de agendamento prévio de carretas destinadas ao porto de Santos entrou em vigor, há pouco mais de um ano, não foram registrados mais os congestionamentos crônicos, que, durante os embarques da safra agrícola em 2013, chegaram a 50 quilômetros. Mas ainda há casos de terminais que descumprem a janela. “Nada melhora para o caminhoneiro”, dizia Silva, do alto do Scania com o adesivo “Nas mãos de Deus”.
“Os níveis atuais de agendamento são satisfatórios, mas temos trabalhado continuamente no aprimoramento do processo”, afirma o diretor de Planejamento Estratégico da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Luis Claudio Montenegro. A estatal, que controla o porto de Santos, monitora relatórios diários das programações. A média de cumprimento é de 98%, diz o dirigente.
Lançado em fevereiro de 2014, o programa instituiu o envio cadenciado da carga ao porto. A regra é que todo caminhão destinado ao cais seja pré-agendado com os terminais portuários, que disponibilizam uma janela de seis horas para atender o veículo. Os que transportam granéis sólidos de origem vegetal devem ser triados previamente em um pátio regulador, fora do cais, onde podem chegar até cinco horas antes da abertura da janela – com isso, restringe-se a permanência da carreta nas vias portuárias.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que fiscaliza o setor, notificou dezenas de empresas desde fevereiro de 2014 por falta de agendamento – a maioria é de terminais que movimentam açúcar, soja e milho a granel, mas também instalações de contêineres. No ano passado, lavrou 20 autos de infração.
As sanções podem variar de uma advertência a multas no valor máximo de R$ 2 mil por veículo. Até agora a Antaq proferiu sete decisões, todas referentes a terminais graneleiros: uma multa, três advertências e três arquivamentos. Em 2015, ainda não houve autos de infração.
A reportagem percorreu o cais de Santos em dias úteis de março, abril e maio. Não havia filas nas vias, mas a maioria dos caminhoneiros entrevistados que esperavam em “pulmões” do porto para entrar nos terminais reclamava da falta de previsibilidade.
“Eles não atendem dentro da janela. Tem vezes que leva mais de 30 horas para deixar a carga”, reclamava Luiz Carlos dos Reis, que esperava sua vez para descarregar na Louis Dreyfus, ainda dentro do horário previsto. Segundo Reis, nem todos os terminais de Santos se capacitaram para receber os modelos mais novos de caminhões graneleiros. “Venho ao porto há 14 anos, antes era caminhão pequeno, hoje são carretas com sete, nove eixos, e o porto é o mesmo”.
Luiz Claudio Pultrini, que trazia soja do Mato Grosso no fim de março, julgava-se no lucro com o pequeno atraso. “Meu agendamento era para o dia 25 na Caramuru. Hoje é dia 26 e ainda não sei que horas vou conseguir entrar”, dizia, certo de que pelo menos descarregaria naquele dia.
Marcos Francisconi acha que “a questão das filas” está melhor neste ano, porque o fluxo caiu. “Carga tem, mas não compensa carregar para cá porque o frete está ruim. Não paga nem os gastos de pedágio e do diesel. Aí chega aqui e ainda tem de pagar para esperar em um pátio”, dizia, referindo-se a um dos três estacionamentos de triagem credenciados pela Codesp – Ecopátio, Rodopark, em Cubatão, e um da Rumo, em Sumaré (SP).
O porto registrou no primeiro trimestre novo recorde de movimentação para o período, com alta de 4,9% frente o intervalo de 2014, escoando 26,3 milhões de toneladas. O complexo soja, um dos vilões dos congestionamentos de 2013, caiu 9,8% sobre o mesmo período de 2014, para 5,2 milhões de toneladas, mas aumentou 28% frente o intervalo de 2013.
Em abril, quando os embarques brasileiros da soja em grãos quase dobraram, para 9,2 milhões de toneladas, também não houve filas. “As coisas estão funcionando. Santos escoa pelo menos um terço da soja brasileira, se alguma coisa não estivesse bem ali, não seria possível bater esse recorde em abril”, diz Sérgio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais.
Para Fabrizio Pierdomenico, da Agência Porto Consultoria Portuária, depois de um estranhamento inicial, quando os sistemas de agendamento dos terminais não conversavam com o da Codesp, o programa engatou. “As filas passaram a ser a exceção e não a regra”.
Montenegro, da Codesp, afirma que, além da chegada cadenciada, há outro ganho de eficiência. A carga está – lentamente – migrando para o trem. A ferrovia ganhou quatro pontos percentuais de participação na movimentação do primeiro trimestre – do total, 76% chegou ou saiu de rodovia e 24% por trem. Nos granéis vegetais esse incremento atingiu quase 12 pontos, com uma inversão da matriz: 55% de participação ferroviária e 45% da modalidade rodoviária.
Paralelamente, a queda no crescimento do comércio exterior manufaturado tem contribuído para deixar as vias de Santos mais vazias. Um olhar mais atento sobre a movimentação de contêineres mostra que a carga que tem mais crescido nesse segmento é o transbordo, a troca do contêiner entre navios, que não usa as vias terrestres.
No primeiro trimestre o transbordo em Santos saltou 75% sobre 2014 e 156% se comparado com 2013, chegando a 233,3 mil Teus (contêiner de 20 pés). Enquanto isso, o contêiner de longo curso – importação e exportação -, onde está o maior volume absoluto do contêiner em Santos, avançou marginalmente.
Caminhoneiro autônomo, Renato de Carvalho esperava há 40 minutos no dia 13 de maio já no porto para deixar o contêiner no terminal Ecoporto. “A espera está menor, mas o frete não tem compensado. O custo de vir para cá é maior que o de ir para portos do Sul”, afirma.
Para especialistas em carga conteinerizada, a gestão do tráfego é uma medida paliativa – o cerne da questão é melhorar os acessos terrestres. “Se o mercado estivesse crescendo, possivelmente o agendamento não seria suficiente, mas como está andando de lado, surte efeito. Resta saber até quando”, diz Leandro Barreto, diretor de análises da Datamar Consulting.
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