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Caminhoneiros vivem rotina de tensão com aumento de roubo de cargas

Uma carreta de 30 metros faz barulho ao avançar sobre a Rua do Alho, atrás do Mercado São Sebastião, na Penha, de onde saem alimentos que abastecem toda a cidade. Com dois contêineres na caçamba, o veículo passa por depósitos dos maiores supermercados do Rio e por um bar frequentado por caminhoneiros. Ao verem o colega ao volante, alguns acenam. São 22h de uma quarta-feira. A quietude evapora num átimo quando um automóvel prata acelera em direção ao caminhão. Os dois veículos entram na Avenida Brasil e somem da vista. Quem estava no bar se alarmou ao ver dois homens no carro, um deles com pistola na mão. Assaltado duas vezes, Marcos Mariano sabe que, se não era escolta, só poderia ser assalto.
Mariano acabara de jantar um filé de frango com batatas e se despedia dos colegas no bar. Estava pronto para entrar em sua carreta e passar a noite na estrada. Entregaria em Campinas, ao amanhecer, R$ 300 mil em cargas da Johnson & Johnson. O homem de 40 anos pede proteção a Deus e liga o motor. Até a subida da Serra das Araras, a equipe do GLOBO vai com ele. Dirige concentrado em cada carro que passa: àquela hora, com a Avenida Brasil vazia, quem quiser roubá-lo vai conseguir. De repente, um carro preto com vidros escuros passa muito perto do caminhão. Mariano reduz a velocidade. O carro o ultrapassa, e o motorista respira fundo.
— Aqui, na Brasil, estamos nas mãos de Deus. É o trecho mais perigoso que conheço. Tenho medo, já fui parar em favela. A última vez foi no ano passado, dois dias antes de a minha filha nascer — lembra Mariano.
Nas estatísticas galopantes dos roubos de cargas, o Rio sofre 28 ataques deste tipo todos os dias. A maioria na Avenida Brasil, perto dos complexos da Pedreira e do Chapadão, onde os ataques são constantes. Empresas como a Ziranlog, para a qual Mariano trabalha, transportam de arroz a diamantes e ficam quase todas na mesma região, entre o Porto do Rio e a Via Dutra. É lá que os piratas do asfalto mais atacam.
Desde que os roubos a caminhões se tornaram rotina, com recorde de assaltos no ano passado — quase dez mil, 2.600 a mais que em 2015 —, os hábitos dos caminhoneiros mudaram muito. Mariano tem no seu caminhão um GPS. Caso saia da rota, funcionários da transportadora são imediatamente alertados. A Ziranlog era uma exceção no mercado até pouco tempo, pois nunca havia sido roubada em 15 anos de atividade, pelo fato de trabalhar principalmente com contêineres. Os criminosos começaram a roubá-los em junho e, de lá para cá, a companhia já sofreu nove roubos. Em sete deles, a carga não foi perdida, pois a central bloqueou os veículos.
— Não éramos alvos até junho, mas agora estão atacando qualquer um. Qualquer caminhão que passa pela Avenida Brasil pode ser roubado. No mesmo dia em que um de nossos caminhões nosso foi levado para o Chapadão, havia outros quatro lá — conta o presidente da Ziranlog, Admar Pereira, que tem 160 veículos em sua frota. — Só perdemos duas cargas porque, infelizmente, um funcionário não aguentou a pressão e desbloqueou os caminhões.
Ladrão se desculpa e vai embora
Toda carga levada pelas empresas associadas ao sindicato de transportadoras do estado tem seguro. Os caminhões também. “Mas, a nossa vida, não”, diz Mariano, pai de três filhas, enquanto passa pela região da Pavuna. No domingo passado, o motorista Antonio Euclides Ribeiro passou três horas sob a mira da arma de um assaltante na Avenida Brasil. Enquanto passa pelo ponto exato em que o colega sofreu o sequestro, Mariano lembra de sua última experiência nas mãos de traficantes:
— Um bandido entrou na minha carreta e rendeu meus dois ajudantes, perto do Batalhão de Choque. Pedi para ele abaixar a arma, prometi colaborar. Tinha um carro preto na frente e fui atrás dele até o Cemitério do Caju. Um dos ladrões nos mandou entrar no carro e alguém foi levando a carreta. Disseram que iam matar a gente, mas nos largaram no meio da Avenida Brasil. No fim, um bandido nos pediu desculpas por não nos deixar numa delegacia, afirmando que estava na correria.
Criado em Jardim Petrópolis, bairro de São João do Meriti, Mariano já dirigiu até Feira de Santana, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo. Quando está na Avenida Brasil, só fica tranquilo depois do pedágio de Seropédica (“Não que seja seguro, mas melhora”, diz). Enquanto dirige, reclama que as blitzes montadas nas últimas operações do Exército na cidade acabavam às 18h, justamente quando os roubos começavam:
— Fico triste por perceber que a sociedade não entende nosso valor. Do feijão que a gente come até o xampu que passamos no cabelo, o remédio que a gente toma, tudo é transportado, tudo passa por um caminhão. O Rio não produz nada; se a gente parar de trabalhar, a cidade fica desabastecida.
Como os contêineres com cargas não param de chegar aos portos do Rio e de Itaguaí, a 70 quilômetros da capital, os caminhões precisam rodar de madrugada. O responsável pela programação da empresa de Mariano, Felipe Sousa, afirma que sempre pede aos clientes para postergar a entrega em caso de viagens noturnas, mas nem sempre é possível. Em rondas feitas no Arco Metropolitano, na Dutra e na Avenida Brasil, a reportagem do GLOBO só viu policiamento a partir das 6h.
Mariano se despede ao pé da Serra das Araras aliviado por ter passado ileso, mais uma vez, pela pior parte da viagem no Rio:
— Isso aqui é amor. Tem que amar muito esse trabalho.
FONTE: Extra 
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